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Mostrando postagens de maio, 2021

Autorretrato - Trem

    Esperei o trem passar, não era um hábito, nem um desejo, era apenas a passagem do tempo. Fiquei um pouco demais, além do necessário, mas foi exatamente o contrário. Quem viu não entendeu qual era o propósito, como se precisasse servir a algum tipo de momento, como se fosse algo redentor, mais do que o planejado, mas não sabiam que eu esperava, desde o princípio, toda a incerteza da jornada.     Saí caminhando pelo trilho, acharam que estava enlouquecida, seguiram meus passos como os urubus plantados nos galhos secos das árvores, mas foi apenas isso. Caminhava como se os passos fossem meus únicos aliados, mas sabia que nem isso me cabia. Deixaram-me em paz por fim, pois fui longe demais, e já não estava mais sendo apropriado aquele movimento. Avisaram alguém, como se em algum momento eu fosse servir de exemplo.     Continuei até sentir o relento, cheguei até o desconhecido, até um lugar abandonado como o sentimento que me carregava. Já não havia ninguém ...

Pingo D'água - Demorei

Queria enfim Um pedaço de mim Mesmo sem aquele entorpecer A escolha era bem clara do que ser Nesse desejo Passei a ficar apenas no manejo Tentando algum controle Esperando algo que assole Findar as estruturas nunca foi um medo O que realmente era desespero Eram as estruturas permitidas Como se a vida não fosse partida Sem perceber o fim Com o bater das asas do querubim Naveguei pelos sete mares Rompi todos os entraves Sumi de mim Não que alguém entendesse assim Mas escolhi ser todas as coisas Diversa e escassa na mesma causa

Hipo(crê)sia - Fiquei com preguiça de pensar em um título

    As vezes canso, pode não parecer, mas canso. Só isso mesmo, canso de ser eu mesmo. É que existe um  monte de fardo pré-concebido, como se tivesse algo certo que fosse juízo. Canso até de ter raiva. Canso de cansar. Alguém me disse que escrever era perda de tempo, que fazer o que quero era uma ingenuidade das mais bestas, que sair correndo era uma fuga sem maturidade, só que tem uma questão, olho para a vida hoje e vejo todas essas fugas mentais, quem foi covarde e agora reclama das próprias escolhas, como se a culpa da vida que vive é do universo, e não da pessoa que dirige. Tem muitas escolhas que não são possíveis de serem feitas, eu sei, não é dessas que estou falando. Quando me olharam torto era apenas medo, não tiveram a audácia de se jogar do precipício, de mergulhar no desconhecido, só eu que fui louco. Não tinha entendido, mas o que queriam era um controle sobre a minha loucura, para me classificar em algum livro ou em alguma pesquisa descontextualizada, queri...

Autorretrato - Apenas isso

    Levei um tempo para chegar aqui, exatamente o meu tempo, como se houvesse algum outro jeito. Apressei-me pelos momentos, mas vivi intensamente cada passo e cada tropeço. Acho que é um problema quando começamos a falar no passado, quando os verbos se conjugam em algum tempo equivocado, basta estar sendo, mesmo que riam da sua colocação no mundo.     Pensei que precisava de várias coisas, ser várias outras pessoas, como se fosse fazer algum sentido, só acabou que fiquei grande demais, demais para caber em qualquer lugar. Tudo é tão relativo, cada passo e cada esconderijo, tenho urgência em viver, como um modo de ser, como um acontecimento, não como uma escolha, como essa baboseira de conquista do sucesso.     Só continuo mesmo, achava que chegaria um altura que haveria algo melhor para falar, que com tanta palavra bela poderia fazer do viver as poesias mais belas, mas não existe pausa na vida, cada segundo é só mais um, e de tudo o que fiz, cheguei a...

Pingo D'água - (Ge)stapo

Não fui eu quem disse Nem sabia dessa crendice Não fui eu quem mostrou Nem sabia que foi tudo que restou Não fui eu quem quis Nem sabia qual era o chamariz Não fui eu quem sentiu Nem sabia o comprimento do pavio Não fui eu quem esperou Nem sabia de tudo o que passou Não fui eu quem ignorou Nem sabia que um dia a previsão acertou Não fui eu quem sabia Nem tinha noção da armadilha Não fui eu e fim de papo Nem sabia que ele era membro da gestapo

Hipo(crê)sia - Ó céus, ó vida!

Ó céus, ó vida! Acabou-se a comida, mas não falta leite condensado no planalto. Ó céus, ó vida! A fruta está muito cara, só conseguimos laranja engomada. Ó céus, ó vida! Não tenho mais pão, apenas a anticonstitucional manifestação. Ó céus, ó vida! É tanto ódio, mal sabem que nesse circo eles tem o pódio. Ó céus, ó vida! Poderia falar a vida inteira, mas só quis fazer poesia. Ó céus, ó vida! Acho que errei na medida, deveria ter feito mais revolta e menos hipocrisia.

Autorretrato - Embalo

    Cheguei assim, sem ser esperada, mas esperaram demais para me encontrar, acabou que complicou a chegada, mas não teve jeito, vim assim mesmo. Segui no embalo da vida, achando que tudo era fantasia, cada história que nem nesse planeta cabia. Foi uma infância destemida.     Tive vários 'não podia', mas minha imaginação sempre superava as expectativas, construía cada vez mais saídas. Não havia nada que eu não conseguia. Mas chegou um dia, aquele dia, não dava mais para fingir que eu tudo poderia.     Não era o que eu tinha, ou deixava de ter, eram apenas julgamentos de poder. A gente vai tentando seguir, ignorando, rindo e chorando, pensando no motivo de tudo acontecer. Saí correndo quando percebi o quanto a minha vida valia, e desde então não tive um momento de descanso, é tudo sempre uma briga. Sobreviver é a sorte dos loucos.     Na ânsia de viver, deixei-me atropelar, desfiz tudo o que eu sabia ser, pois precisava continuar a viver. Tem gente...

Pingo D'água - Quando criança

Quando criança Li um livro que hoje é só lembrança Quando menina Entendi havia um lugar que não me cabia Quando moça Tentaram me deixar apenas a louça Quando adulta Percebi qual era a minha luta Quando imaginação Entendi que ninguém pode me ter na mão Quando desenvoltura Percebi as nuances da loucura Quando consciência Conheci os limites da ciência Quando sabedoria Voltei-me para a raíz da minha vida Quando elaboração Questiono a razão Quando materialização Não perco o impulso da emoção Quando transformação Entendo o apego a ilusão Quando despedida Deixo seguir o fluxo da vida Quando criança Era imaginação, cheia de elaboração Quando menina Travessa na desenvoltura, era materialização Quando moça Enchi-me de consciência, fui uma eterna transformação E agora adulta Não julgo ter sabedoria, pois só consigo permanecer na eterna despedida

Hipo(crê)sia - Perspectiva invertida

    Precisava escrever um texto mais inspirado, com aquela intenção de estupidez, que nem o salafrário que conseguiu justiça no calvário. Acho que preciso de mais julgamentos, sem a preocupação do que dizem aos quatro ventos, apenas com a percepção da minha ilusão. Talvez seja necessário mais ódio para o impacto, o tipo de atitude que move a estupidez, com a identificação de um representante da ignorância. Vou jogar fora os escrúpulos, desfazer-me da sensatez para entrar no terreno do bom senso, do julgamento sem aprofundamento, superficializando toda as conjecturas científicas para dizer o que bem entendo. Quem ainda acha que existe a possibilidade de manifestação desconecta da esfera política, deveria ler melhor as entrelinhas de todas as formas de vida, e olhar para todas as formas de morte, talvez apenas isso seja preciso, uma perspectiva invertida. Juro que não é política.

Autorretrato - Menina, ou menos que a ida

    A menina repousava escondida, querendo mais da vida, sonhando com a próxima partida meio aquele aprisionado contexto. Em sua inquieta mente guardava os mais vorazes segredos, aquelas histórias de arrepiar até os pelos dos dedos. Não é  exatamente que sabia, mas sentia que naquele lugar a sua vasta mente não caberia, já mal havia espaço para as suas horas sumida.     Cada passo parecia uma eternidade que se desfazia, tiveram anos rápidos, e tiveram dias que nunca se findavam, o que é que a vida queria? Vários ciclos se passaram, e  piscar de olhos nunca deixou de ver as novidades de um novo prazer. Em todo o silêncio que lhe cabia, com sua imaginação fugidia, traçou o plano que continha a sua ambição de vida: fazer o que lhe deixa feliz.     Parecia simples quando desenhado no céu, mas escrever aquela realidade no papel não era bem o consenso das estruturas. Quem diria que precisaria partir numa eterna briga, mas enxergaram como birra, e mais t...

Pingo D'água - Reação

Chorei na tua mão Não foi conforto Foi ilusão Achava um caminho Mas era apenas um elo perdido Deixei minha vida Mas já não havia possibilidade de conexão Mesmo no seu encosto Sentia a escuridão Achei que dando um pouco de brilho Quem sabe ficaria comovido Poderia até me deixar uma saída Mas você já sabia o que fazer então Como se estivesse disposto Com uma tentativa de união Era apenas um burburinho Para que tudo fosse contido Mantendo-me agradecida Quando deveria estar com a revolta de um furacão E mesmo absorto Foi culpa da minha reação Esse ato bobinho Que me deixou comprometida E agora sumir é a única opção

Hipo(crê)sia - Só acho

Acho engraçado, tem gente que adora dizer da mulher mal criada, mas a verdade é que não nascemos para servir ninguém, quem criou as expectativas foi você.  Acho tragicómico, mas parece que vocês tem razão, nos matar em larga escala é a melhor maneira de nos manter interessadas, assim nos falta opção, ou casamos, ou morremos em vão, porque de qualquer maneira definharemos na sua mão. Acho divertida, essa ideia de domínio compulsório, como se não pudéssemos escolher, mas a realidade é que limitar o nosso olhar é a melhor maneira de nos fazer te escolher, de nos obrigar a permanecer. Acho hilariante, o quanto nos colocam nos papéis que preferem, pois se sairmos por aí com toda a nossa capacidade é capaz de faltar lugar para você ocupar. Acho bem piadista, rir da nossa cara como se ri de qualquer trapalhada, mas o equívoco é achar que passa a noção de soberano, quando na verdade só ouço o medo de notarmos a sua falta de verdade. Acho gozador, classificar-nos com valores das suas ações,...

Autorretrato - Só hoje...

    Hoje vos conto uma história fictícia, só para fingir enganos, para misturar personagens e disfarçar uma realidade. Estava correndo pela vida, e apareceu o mais feioso tipo de urubu que poderia existir. Achei que poderia distraí-lo e sair logo dali, mas não me foi possível.     Quando parei ofegante, precisei estender a mão para lhe agradar, foi um asco até que gostoso. A carência tem dessas coisas, deixa-nos com a guarda baixa. Fiquei ali sem propósito, não olhei nem no relógio, mas teve um instante em que precisei me despedir.     Ninguém entendia o motivo de ter parado logo ali, mas eu precisei me deixar sentir. Recolhi a parte que me faltava para sair dali, não olhei para trás, e nem me despedi, achava que só aquele gesto já era o necessário, mas ninguém pareceu me ouvir.     Continuei pra bem longe dali, e aquele odor marrento do urubu continuou a me seguir. Cheguei a conferir se havia mais alguém no meu mover, mas estava apenas eu por ali...