Autorretrato - Só hoje...
Hoje vos conto uma história fictícia, só para fingir enganos, para misturar personagens e disfarçar uma realidade. Estava correndo pela vida, e apareceu o mais feioso tipo de urubu que poderia existir. Achei que poderia distraí-lo e sair logo dali, mas não me foi possível.
Quando parei ofegante, precisei estender a mão para lhe agradar, foi um asco até que gostoso. A carência tem dessas coisas, deixa-nos com a guarda baixa. Fiquei ali sem propósito, não olhei nem no relógio, mas teve um instante em que precisei me despedir.
Ninguém entendia o motivo de ter parado logo ali, mas eu precisei me deixar sentir. Recolhi a parte que me faltava para sair dali, não olhei para trás, e nem me despedi, achava que só aquele gesto já era o necessário, mas ninguém pareceu me ouvir.
Continuei pra bem longe dali, e aquele odor marrento do urubu continuou a me seguir. Cheguei a conferir se havia mais alguém no meu mover, mas estava apenas eu por ali. Quando me dei conta, cheguei num sem fim, aquele lugar que tem nada e a eternidade do horizonte ao mesmo tempo. Parei de novo para sentir se podia respirar um pouco mais fundo.
Olhei para o chão que era a única parte do mundo que me tocava, abri a minha mão e a percebi toda preta, repleta de penas. Arranquei uma parte do urubu e nem tive noção, devo ter deixado o mundo um tanto mais dolorido naquele instante em que parti, mas achei que só estava continuando. Virei e me deitei na direção do sol. Agora era só esperar que a vida viesse me derrubar.
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