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Mostrando postagens de dezembro, 2012

Hipo(crê)sia - Convenções do discurso

Todos os anos, nos reunimos aqui e enfiamos goela abaixo o mesmo discurso, pronunciamos as mesmas preces afundadas no fundo de uma convenção obrigatória que nos garante uma certeza perante todas as dúvidas errôneas que parecem nos cercar. E nesse momento não precisamos mais escutar o que se pronuncia, já sabemos tudo o que virá. Então nos ensurdecemos de nós mesmos e começamos a falar mais alto para nos sobrepormos aos outros, gritamos insensibilidades insensatas sem olhar o peso afundado no olhar dos que atingimos, e assim, criamos cada vez mais enrijecimentos que se privam de compreensões e se especializam em julgamentos, unicamente feitos, e rigorosamente aplicados. E ainda assim, a gente consegue se encontrar assim. Atualizamos o último modelo que está em voga, mas não atualizamos as transformações que os indivíduos se tornam, incentivamos o que gostamos, nos cegamos para os aspectos negativos envolvidos, e repudiamos inescrupulosamente, sem nenhuma medida de sensibilidade ou h...

Autorretrato - Capítulo Vinte e Sete - A máscara da inconfiabilidade

         O desespero se calcificava em seu controle, em sua absoluta paciência e sua comedida presença. Havia a disponibilidade, e acho que era isso que exatamente a machucava mais: a presença, mesmo que contorcida e mal resolvida, esperneava a cada palavra ríspida, a cada choque da realidade que vivia, e, acreditava ela, via-se menos e se prendia mais apertado no balanço dos seus pensamentos ilhados.         A cada trombada, as rachaduras esfacelavam de si, a treinada compostura que ela se prometeu ter, rompiam toda a medida que ela se fez. Ela só conseguia se configurar nas suas forças singulares, no pouco mais diferente de todo o complexado e desrespeitoso resto, o pouco que ela conseguia dizer seu, no mérito de toda e qualquer mudança, as poucas certezas flexíveis que ela conseguia afirmar. E era exatamente muito pouco, quase nada de si.         E todo o resto?! Era muito egoísmo de su...

Hipo(crê)sia - O comunicativo silêncio pós-guerra

Estamos aqui, conjuntamente sozinhos e narcisisticamente envolvidos com nossos desabafos. Será que nos desconfiguramos tanto em nossos medos que os olhos escutam melhor que os ouvidos? Ah! Bobeira. O que fizemos foi conversar com a liberdade e andar com a fobia, pobres controladoras! Sem saber exatamente quem se é, não temos o que esperar em troca, e se soubermos... Bom, ninguém nos viu nessa solidão anonimamente protegida. A verdade é que nascemos sem força para lutar, pois fomos resistentemente nascidos e criados sob pancadas. Voltamos-nos criseologicamente para a falta de saber o que fazer após a revolução, então fomos em silêncio para as nossas casas e nos encontramos aqui, perdidamente vazios por estarmos cheios de opiniões afirmativas que não nos permitem ficar na dúvida, fomos entupidos de certezas negativas que se achavam tão diferentes por caminhar no exato oposto, que agora estamos aqui, nos perguntando para onde não podemos ir.

Autorretrato - Capítulo Vinte e Seis - As paredes da continuidade

         Ela voltou aos velhos hábitos, e quanto mais prazerosa a nostalgia, mais cortante era a realidade, cruelmente conduzida por suas bruscas escolhas presentemente feitas.         Era bom ver as mudanças, ver que certos horrores, que pareciam a atormentar, haviam mudado, e, já no final dessa sentença, a voz do pensamento ia murchando e ficando roucamente presa no peito. Apenas mudado, agora os fantasmas eram outros.         Ela via o movimento e seu fluxo livre, sob o qual ela não tinha controle, apenas rebolava desesperadamente para tentar segurar o bambolê um pouquinho mais.        O terreno da areia movediça havia passado, e agora ela estava encarando aprender a andar novamente, com todo o peso de uma pausa massantemente impulsionadora da saída. O peso era de já saber andar e parar, era a passagem do tempo, era o tropeço da consciência quando olhava ...

Hipo(crê)sia - A publicidade das instituições

Para quê existem as instituições públicas? Para as pessoas?! Não só as públicas, mas, nesse mundo que gira com o motor do capitalismo, as instituições particulares realmente fazem questão do seu dinheiro, então te tratam bem para que o seu cheque tenha fundos. E as coisas públicas? São necessidades humanas no meio da nossa sobrevivência social, dessa nossa estupidez de humanidade compartilhada. Então nós engolimos todas as desculpas, as grosserias e os erros injustiçados sem nem receber uma pequena fração de humildade; se as coisas não se resolverem ao seu favor você que arcará com as consequências, pois era para você, não foi você quem fez, mas foi o infortunado que precisou. E, simplesmente assim, tomar-se-á no orifício anal aqueles que por destino não conseguirem que a vida se faça em sua melhoria. Sem maiores explicações, sugestões ou tentativas, o público se encontra nas estabilidades das burocracias, dos concursos, dos recursos, dos cargos e dos poderes de sua unicidade, e, já qu...

Autorretrato - Capítulo Vinte e Cinco - As cores dos olhares

         Ela encontrou duas listas com sua letra redondamente pequena e infantil na cobrança de todos os traçados. Ela se perguntou como eram seus olhos, em todo o percurso que caminhara em si, o que se tornaram seus olhos?!         Às vezes achava ser neuroticamente obsessiva, pois parecia que seus olhos viam uma única coisa, cada vez mais intensamente, em todo o seu ser, rompendo as suas vontades. Nesses momentos seus olhos pareciam enxergar sob um espectro, variavelmente convergente em um aspecto doloroso.         Seus olhos foram tremilicadamente atentos, observadores e contidamente vivos. A crosta que a envolveu o brilho no olhar deu lugar para uma opacidade que a texturizou, e, tudo que passa pela pele é rasgadamente sentido numa aspereza que os outros olhares julgam pessimismo.         Às vezes isso passa, às vezes ressalta, e às vezes salta pela...