Autorretrato - Capítulo Vinte e Cinco - As cores dos olhares

        Ela encontrou duas listas com sua letra redondamente pequena e infantil na cobrança de todos os traçados. Ela se perguntou como eram seus olhos, em todo o percurso que caminhara em si, o que se tornaram seus olhos?!

        Às vezes achava ser neuroticamente obsessiva, pois parecia que seus olhos viam uma única coisa, cada vez mais intensamente, em todo o seu ser, rompendo as suas vontades. Nesses momentos seus olhos pareciam enxergar sob um espectro, variavelmente convergente em um aspecto doloroso.

        Seus olhos foram tremilicadamente atentos, observadores e contidamente vivos. A crosta que a envolveu o brilho no olhar deu lugar para uma opacidade que a texturizou, e, tudo que passa pela pele é rasgadamente sentido numa aspereza que os outros olhares julgam pessimismo.

        Às vezes isso passa, às vezes ressalta, e às vezes salta pelas dramaturgias que significam o que pôde ser visto por onde seu olhar vagou, entorpecidamente desatento ao que não era a magia que enfeitiçava sua desatenção às realidades que lhe eram cobradas.

        Seus olhos pareciam distantes, pois ninguém habitava os lugares que ela conseguia ver nos porosos detalhes. Era um foco que ela conseguia ter, passar eras de uma magia em tardes desconhecidas. A verdade é que ela estava atenta aos seus esconderijos.

        Agora não é possível dizer quando esse outro império começou a reinar sobre o seu tímido brilho, quando a fortaleza se construiu e a armadura foi vestida. Talvez isso foi no desconhecimento da solidão, que se fez um público presente  em todas as pós-repreensões. Talvez ela se cortou antes de lascar a armadura do novo império.

        E então, as desconstruções, que estão tentando se fazer valer, contam com um mercado em depressão, que não consegue ver a somatória das tentativas, e só sabe que a bolsa cai pelo seu peso. E aí seus olhos se perdem, perambulam o que foi desmoronado, não tendo mais referências que restaram em pé, apenas pedaços descontextualizados para que sejam feitas as pós-desconstruções, que, por enquanto, ainda não se nomearam, mas já assumiram as suas lanças afiadas e seus escudos transparentes.

        As límpidas águas tem uma paisagem pintada pela destruição que seus olhos sentiram, deixando sair o que se chocou na camada de gelo, que por momentos se revelou. Após o fogo, o silêncio torturante acompanha a potência do que pode ser visto e do toque que esse olhar pode texturizar.

        Para uma amiga que consegue ter o peso do brilho no olhar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Autorretrato - Capítulo Vinte e Nove - Os pedidos lacrimejantes

Autorretrato - Capítulo Trinta e Seis - Permanência oscilante