Hipo(crê)sia - Convenções do discurso

Todos os anos, nos reunimos aqui e enfiamos goela abaixo o mesmo discurso, pronunciamos as mesmas preces afundadas no fundo de uma convenção obrigatória que nos garante uma certeza perante todas as dúvidas errôneas que parecem nos cercar. E nesse momento não precisamos mais escutar o que se pronuncia, já sabemos tudo o que virá.

Então nos ensurdecemos de nós mesmos e começamos a falar mais alto para nos sobrepormos aos outros, gritamos insensibilidades insensatas sem olhar o peso afundado no olhar dos que atingimos, e assim, criamos cada vez mais enrijecimentos que se privam de compreensões e se especializam em julgamentos, unicamente feitos, e rigorosamente aplicados.

E ainda assim, a gente consegue se encontrar assim. Atualizamos o último modelo que está em voga, mas não atualizamos as transformações que os indivíduos se tornam, incentivamos o que gostamos, nos cegamos para os aspectos negativos envolvidos, e repudiamos inescrupulosamente, sem nenhuma medida de sensibilidade ou humanidade, todas as nossas dificuldades no que não entendemos, sabemos, ou conhecemos, e nem nos damos ao trabalho de,  no outro.

Trabalhamos para ganhar dinheiro, para sermos capitalistamente valorizados, e não para deixarmos de lado um pouco de nossa pessoalidade em prol do coletivo, um coletivo que se banca unido, e não uma pilha de corpos para chacinamente um ser mais sacana subir.

E ainda assim nos encontramos dessa maneira, nos enchendo de futilidades que encobrem nossas falhas, suprimem nossa falta de interesse numa fingida lembrança, que, sem nunca ter nos visto, jura saber quem somos. Entupimo-nos com nossas vitórias sob os outros, contabilizamos todas as puxadas de tapete que conseguimos aplicar com primazia.

Nessa contínua continuação das coisas é que criamos a tradição de estabilizarmos confortavelmente essa hipocrisia de convenção, que se julga tão diferente desse mundo horrivelmente cruel, cujo qual somos exatamente todo dia.

Eu sei que depois de tudo isso é mera redundância, mas, Boas Festas.

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