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Mostrando postagens de março, 2012

Autorretrato - Capítulo Seis - Imperfeitas perfeições

     As infindáveis dúvidas e questionamentos que se auto burlavam em outros, colocavam-se confiantes onde quer que encontrassem espaço, e diluíam-se como necessários a todos os momentos. Então vagando ela divagava pelos espaços da vida, escarnava a alma em suas constantes perguntas, mergulhando em seus temores com toda a intensidade que podia, querendo se livrar do que mais vivia.      Tudo, que não era, mas parecia ser, resumia-se ao medo, de não ser plausível de aceitação ao que dizem bom, normal, ao que é desejado e idealizado em suas imperfeições... e aí vem outras questões.      Não era possível ver a perfeição a não ser como um conceito morto, por isso, como sempre, nada era possível de perfeição para si. Da mesma maneira que idealizar as imperfeições. Já que dizem do perfeito impossível, dizem então, serem perfeitas as imperfeições, para poderem se incluir, inaceitáveis, no aceitável. Em sua mera hipocrisia, não conseguia entender...

Autorretrato - Capítulo Cinco - O anúncio movediço

     Então aconteceu o primeiro anúncio público, talvez não feito antes em voz alta para si mesma com aquele confiante peso dolorido e pulsante no meio, abrigado pelo assimétrico e não linear circundar de sua caixa torácica. Foi a primeira coisa que ela pôde pensar... e a última que pôde negar. O coração pulsou em disparate puxando consigo o esterno e o pulo das palavras em sua cabeça. Foi um anúncio que colocou ânsias e desesperos na pronuncia, mudando a opacidade dos seus olhos e da cor que sentia; mais áspera, mais viva, mais intensa e mais leve em favor da gravidade.      Mas um erro foi cometido: achar que as mudanças não são espiraláveis pelos acontecimentos da vida. Tudo voltou a não ter um propósito por instantes. Era apenas uma manhã de domingo, límpida, vívida, brilhante e colorida. Todos os momentos angustiantes pelas ausências que encontrava tinham a mesma qualidade tonal desse domingo.      "O nonsense voltou. Não me pergunte...

Autorretrato - Capítulo Quatro - A confortabilidade dos conflitos

     Tudo parecia realista, entendido e pensado demais... e, quanto mais racionalizadas as suas reações inegáveis, mais intensa a confusa dor do que se prolongava em seus inúmeros entendimentos. Talvez o muito tempo fosse gasto de maneira ineficiente para a mudança tão desejada, soluçada e escorrida; mas talvez isso fosse eficiente para o medo de que com o passar da mudança viesse seu mundo, realistamente apenas seu, dependente e existente de si, por si e para si.      Por momentos, não acreditar demais pareceu acreditar demais, assim como as afirmativas negações, mas de maneira condizente com as possibilidades que a permeavam e concretizavam os seus não-acreditar. O que desesperadamente gritava, rasgando-se por dentro para tentar entender, inscrevia-se no seu grito, omitindo o que não queria ser visto, e transparecendo a opacidade dos entenderes mútuos, confusos, inoportunos e, aparentemente, necessários.

Autorretrato - Capítulo Três - A fuga da partida

     Então mais uma vez ela partiu. Como sempre esquecia que fizera quando a força repreensiva exterior cortava o seu peito, fazendo de inútil a tentativa de esconder o que o mundo lhe arrancava com sua própria permissão. Ela optou viver no mundo da imaginação, com seus pés flutuantes, para poder esquecer a tristeza que insistentemente temperava o seu presente com um espectro cinza.      Mas se sabia, por que nada disso sumia?! Resolvia-se?! Era a hipócrita vingança de si mesma, já que não acreditava nas verdades absolutas e racionais, não conseguiria fazer da compreensão racional da pressão peitoral, as causas e motivos que a libertariam de si mesma; afinal, já não sabia se em algum momento seria possível fazer uma clara separação do que era e o que não era ela mesma, pois ela não acreditava nessas distorções contemporâneas cartesianas.

Autorretrato - Capítulo dois - O acalanto da escrita

     "Se o papel é uma extensão do ser humano..." - pensou - "ele pode ser considerado humano!". Então compreendeu porque essas palavras não podiam ser ditas de outra maneira, para outro ser que não fosse si mesma, que entenderia os entraves e desentraves de suas compreensões.      Talvez todas as cores das quais ela insistentemente se remodelava, pintando novos traços, novos trejeitos, era uma maneira de consertar seus desconcertos, ser mais uma regra em um imenso livro de regras plausíveis; mas simplesmente plausível, era o máximo que conseguia se sentir, meio a tudo, uma possibilidade plausível, mas óbvia de certa maneira.      E por que não era possível querer, simplesmente, ser a imagem da poesia que nunca foi dita, mas sempre permaneceu diluída em tudo o que não tocou, flutuando nas despreocupações do flutuar, sem ter que assumir poses e retoques, podendo voar num moto-contínuo dos sorrisos infantis, que brincam para poderem brincar...

Autorretrato - Capítulo Um - O começo do fim

     Enquanto a vida soava por entre sons gélidos, gotas orgânicas se mesclavam com gotas viscerais, escarrando na noite o que os olhares do dia não permitiam, gritando no desespero a melodia dos acordes escondidos, tortos, desalinhadamente encaixados num fluxo maleável que se auto definia tranquilidade, meio a seus surtos e contra-surtos.      As unhas não eram a força que se esvaia na brutalidade dos objetos que as arrancavam de si, mas as feridas que fazia para se curar, e fazer o que achava inatingível e impossível: se alimentar da sua força para resolver os seus problemas, sem ter que se apoiar no inexistente exterior; ser fiel a si, pois eram suas palavras, seus pensamentos, seu mover, seus segredos opcionais escancarados no que não viam.      Era só o momento, e cada vez mais o momento; mais denso, mais profundo, mais a sua dor composta de outros que não se viam nos seus olhos, na sua boca dilacerada, na sua cara cortada, nas suas ...