Autorretrato - Aprender

    Não queria começar com desculpas, mas desaprendi a escrever, ou pelo menos já não consigo mais escrever do mesmo jeito. Para tudo isso foi preciso tempo, muito tempo. No começo era uma voz, um alívio de pensamentos, uma viagem na insanidade que não podemos tocar neste tempo, mas agora é um furacão que deixou tudo silencioso e devastado depois de ter passado.

    Fico pensando que tudo pode ser culpa deste momento que estamos vivendo, mas acho que foi apenas uma faísca aleatória que estava perto demais do barril de pólvora. Sempre achei que ia acabar implodindo, mas no fim das contas explodi mesmo, derrubei todas as estruturas e relações. São tempos para mantermos só o que é preciso, ou entendermos o que em nós é preciso.

    Descobri que tenho mais dificuldades do que facilidades, e está tudo bem com isso. Desaprender é uma habilidade dos loucos, que insistem em não se contentarem com esse viver, e concordo, existe nisso uma tristeza profunda talvez, mas existe também uma beleza honesta e ingênua. É essa falta de contentamento que transforma essas estruturas violentas de manutenção. É um caminho solitário e coletivo, de desafios e felicidades imensuráveis. É loucura e sanidade.

    Será que existe um tempo certo para se nascer? Pode ser que quem se sente tão inadequado seja exatamente a pessoa necessária para esses tempos. Esse mundo de números não me contempla, nunca contemplou, nunca me contentou, mas posso estar aqui para desfazer alguns conceitos, dividir a soma dos efeitos. Não sei bem ao certo, e acho que nunca vou saber. Queria te dar uma satisfação melhor, mas ainda estou a aprender.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Autorretrato - Capítulo Vinte e Nove - Os pedidos lacrimejantes

Autorretrato - Capítulo Trinta e Seis - Permanência oscilante