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Mostrando postagens de abril, 2012

Autorretrato - Capítulo Onze - Suspendida na estranheza familiar

     O tempo voltou. Era uma nostalgia que ela raramente sentia, vieram seus antigos sonhos com o ar gelado que cortou a carcaça de suas mudanças para lhe mostrar quão difícil é se desapegar das coisas que sufocamos para esquecer.      O movimento se dilatava no espaço, os momentos induziam flashes de sensações das fotos que ela armazenara no seu piscar de olhos. Uma certa novidade de felicidade ingênua surgia dilacerando seu peito, fazendo suas pernas desconfiarem da paisagem preta e branca na qual se sustentavam.      Com a ingenuidade dos seus sonhos ela afogou a criança que brincava na poesia imaginando suas histórias, que vivia no silêncio da multidão, distraindo-se com a realidade que criava e sentia no sorriso de seus lábios.      Mais assustador do que ver retratos de perdas, era se sentir numa felicidade gélida que rasgava a criança que ela escondera de si; era se ver como mote criativo para esses retratos, que n...

Autorretrato - Capítulo Dez - Mobilizando angústias

     Ela tomou a decisão de viver a angustia, por mais que tentasse burlar seus medos a cada momento de oportunidade. Assim o silêncio se instalou, e ela foi, mais do que nunca, esse silêncio desconhecido, como nunca se dera antes, ele era brusco, ríspido e áspero, e muito difícil de ser experienciado pela instabilidade do mover que com ele se configurava; e ela gostava de saber das coisas para ter controle na consciência de sua julgada pouca idade, da qual ela facilmente se desvencilhava para em seus esquecimentos mostrar que os desencadeamentos dos fatos vividos pouco se importavam com esse genérico número que quase nada informava sobre sua humanidade.      Olhares cortantes ela viveu, a raiva de ser inotável, seu cansaço de se obrigar a estar energeticamente disponível para as cargas exteriores que tanto dilaceravam sua sensibilidade, a agonia de inibir certos apaziguadores desejos/atos para poder ser a mudança que queria ver em suas dores. E nesse seu...

Autorretrato - Capítulo Nove - Uma breve pausa

     As feridas que não cicatrizavam a endureciam, tornando-a cada vez mais sensível, mais afastada por estar mais mergulhada em seus cortes, consolando-se e consolidando em seu profundo isolamento que aos outros entretinha, enquanto em si, redescobria suas forças nas potentes fragilidades.      Foram oito linhas de pausa da proposta que se fez viver sem conhecer; e foram apenas oito, pois não queria que o respiro da pausa se tornasse uma constância de fuga.

Autorretrato - Capítulo Oito - Escorrendo pela inscrição da intensidade

     "Na entrega me incomoda o descaso". Isso que surgiu espontaneamente na corporeidade de seu olhar, e em um dado momento se configurou em palavras, tornando-se mais fácil para ela conseguir, a partir de então, classificar seus constantes pensamentos na tradução dessa ação-pensamento que, medrosamente, mais a machucava em suas intensidades dilacerantes.      Fechar-se era uma solução que havia achado há um bom tempo, antes mesmo do prometer para si, com a força da necessidade obrigatória que as promessas tinham, que confiaria plenamente apenas em si, que viveria tudo a sua maneira, sentindo e pesando os valores e conflitos da vida sob essa lógica, única e particular.      Não permitir os outros a dilacerarem até que deixasse de ser notável era uma resposta da sua mania de viver todas as suas dores e contradições na intensidade e entrega que a tiravam do mundo que as pessoas vivem. Não falar, não lidar, não estar, estando mais intensamen...

Autorretrato - Capítulo Sete - O reflexo do âmago apoiado

     O choro engasgou sua garganta e abaixou seus olhos abertos na imagem do reflexo da imagem. Foi assim que se sentiu reverberar no mundo, algo que existia e vivia porque tinha que estar ali, mas não se dava conta de que era, mesmo não querendo isso, a todo momento.      A escolha da liberdade estava a atacando mais do que o peso dos seus conflitos, não sabia ou não queria saber por que era tão difícil deixar de se martirizar e se culpar pelo que achava que queria ser.      No ciclo vicioso estava a estabilidade da culpa, a fuga do enfrentamento de ser porque se está. As coisas não perderam o sentido, ela passou a ser uma coisa. E até que ponto ia todo esse medo externo do julgamento, dos outros olhos e olhares?! O medo pela desconfiança se alastrava nos seus bloqueios, no seu afastamento e no seu silêncio.      Escolheu-se então o apoio, um apoio que achava dolorosamente não vir de outros, mas que partiu internamente d...