Autorretrato - Capítulo Oito - Escorrendo pela inscrição da intensidade
"Na entrega me incomoda o descaso". Isso que surgiu
espontaneamente na corporeidade de seu olhar, e em um dado momento se
configurou em palavras, tornando-se mais fácil para ela conseguir, a partir de
então, classificar seus constantes pensamentos na tradução dessa
ação-pensamento que, medrosamente, mais a machucava em suas intensidades
dilacerantes.
Fechar-se
era uma solução que havia achado há um bom tempo, antes mesmo do prometer para
si, com a força da necessidade obrigatória que as promessas tinham, que
confiaria plenamente apenas em si, que viveria tudo a sua maneira, sentindo e
pesando os valores e conflitos da vida sob essa lógica, única e particular.
Não permitir
os outros a dilacerarem até que deixasse de ser notável era uma resposta da sua
mania de viver todas as suas dores e contradições na intensidade e entrega que
a tiravam do mundo que as pessoas vivem. Não falar, não lidar, não estar,
estando mais intensamente nos momentos que se inscreviam em sua pele,
transcendendo a mediocridade da superficialidade.
Mas as
coisas pareciam muito apenas para ela, e disso só surgia a incompreensão, ou,
seu infindável medo, que se criptografava nas mágoas do seu eu rasgado e
massacrado lentamente por sua costumeira intensidade que se complexificava no
seu contínuo viver e experienciar, para surgir de si na sua autodestruição,
renovando o que se mantinha.
Ainda
assim, ninguém a fazia desacreditar que no seu não falar ela gritava, e justamente
na sua lógica que criava e mantinha o seu ciclo vicioso: por acreditar nas
palavras do seu silêncio, vivia profundamente os sentimentos, e o não verbal,
que, para ela, tanto comunicava e a comunicava.
Em
suas lágrimas ela escorria pelo mundo.
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