Autorretrato - Nem importa mais

    Não quis esperar o tempo, foi um erro meu, na verdade nem um erro foi, mas não entendem que essa foi a intenção da vida. É que tinha algo me sugando como a corrente da maré, não tem como eu dizer algo que não é, e foi assim que sucumbi, escolhi a vida que vivi, tudo o que queria daqui. Percebi depois, mas só depois, muito depois mesmo.
    Confesso que esse jeito me rendeu alguns desajeitos, alguns tropeços e alguns devaneios, mas nem me arrependo. Acho que isso foi o pior, tinha muita gente esperando que eu me arrependesse, todo um sistema de frustração, pois como vão vender a fórmula da felicidade se ela já existir? Não é possível ter lucro assim.
    Então corri, mesmo escorregando, fugi, sofri, e continuei escolhendo tudo isso mesmo assim, não tem concerto. Quiseram até achar defeito, mas eu já sabia de todo esse despeito, então fingi que não sabia do meu conceito. Até que chegou um ponto, esse ponto, ainda não entendo direito, fico achando um tanto engraçado, meio descarado também.
    Olham-me de um jeito, como se tudo o que fiz fosse mera sorte, um acaso, como se o destino estivesse, por coincidência, meu melhor amigo. Escolhi exatamente tudo isso, toda a minha corrida foi pra isso, queria estar nesse exato lugar, e é isso o mais cômico, julgaram tanto o meu caminhar para agora estarem nesse lugar de admirar.
    É isso, estou aqui, olhando o fato de olharem, achando curioso essa maneira esdrúxula de contemplar, tentar matar antes e depois desejar, ou desejar esse anseio de se encontrar... já nem sei mais. Estou na minha tranquilidade, então já nem importa mais.

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