Autorretrato - Realidade

    Escrever sobre escrever deveria ser uma ousadia, mas parece mais que é hábito, rotina. Já perdi a noção de quantos poemas decidiram falar sobre si mesmos. Parece tudo besteira, perder tempo com essas asneiras das mais belas mazelas. É um misto de indignação e inveja. É como se eu não existisse na minha própria escrita. Mas já sei, é esse ego inflado, alimentado pela individualidade suprema. E se só formos mais dos mesmos? Mas não, preciso falar sobre mim mesma, mesmo que não valha a pena da galinha depenada.
    A gente fica criando a própria criação, numa corda bamba entre criar fantasia e mergulhar nessa disritmia de vida, e ninguém diz pra que serve tanta imaginação. Poderia ser muitas soluções, mas acaba sendo apenas uma eterna tristeza da insignificância que somos nesse mundo corrompido e hipócrita. Achei que ia trazer palavras belas, ou singelas, mas perdi toda a noção do que significa essa razão. Fico escorregando nos meus melismas, prolongando o que deveria passar em vão, mas é uma mania de ter que aumentar o próprio olhar para ver se a gente chega em algum lugar.
    Deveria me referir só a mim mesmo, mas fico sendo plural. Perdi a noção de quantas palavras deveria ter economizado, para, quem sabe, caber melhor em algum lugar, medir a minha estatura com a validade de alguma moeda. O problema é esse, fico escrevendo do mesmo lugar sabendo que ele não existe, então qual é o limite da loucura? Estar sóbrio nesse mundo ou ignorar o que não atinge o meu umbigo? Pelo menos sou plural, um monte de ésses que sobram das atitudes egoístas. Pelo menos me perco na minha insensatez, talvez.
    Gostaria de dizer que é uma atitude nobre, mas escrever sobre escrever não é estar presente, é vaguear entre realidades sem estar em um espaço físico determinado, sabendo que isto que acabou de ser dito não existe. É rir da própria desgraça, é fazer chacota com as suas verdades, é narrar a realidade das inverdades, das ilusões, do surrealismo da incomodação. Não é nenhum pouco de ousadia, não é uma bela poesia, não é para o tipo de gente que gosta da vida suave, é para quem não consegue ter limites mesmo com toda essa realidade.

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