Autorretrato - Refeição

     Será que eu me perdi nesse viver? Essa é uma pergunta que não consigo responder. Cheguei de novo naquele momento em que não consigo mais viver. Achei que essas tempestades iam passar, que alcançaria algum tipo de vida, mas sempre me sinto afogando nessas normas de vida que não me contemplam. Eu juro que tentei.Tentei me adequar, tentei ser, tentei não ser, tentei, não sei. Queria poder pedir um abraço, mas não tenho ninguém para me entender.

    Sou o problema, a confusão. Complicada, quem quer ficar com gente assim? Não sei te dizer tudo o que eu já vi na vida. Existe uma parte muito grande da minha vida que não posso contar para ninguém. Afinal de contas, quem está pronto para deixar de ser? Inventar a sua vida, contar umas mentiras, e ficar tentando se esconder. Você não sabe o dilema que é escolher fugir para viver, ou viver a se esconder para permanecer. Você jamais vai conseguir me entender.

    Consigo por algum tempo, sou uma boa atriz, mas chega uma hora que não quero mais a mentira na qual me reinventei, quero correr, deixar de ser, ou simplesmente ser. Sempre tive esses monstros me assombrando em plena luz do dia, dizendo o quanto eu não podia, duvidando do que eu conseguiria, mostrando tudo o que não cabia. Parece que eu vou crescendo e de repente não entro em mais nenhum espaço. A roupa fica apertada, a vida sufocada, e eu me resumo a um grande nada. É sofrido. É  solitário. É muito cheio para estar tão vazio.

    Mas continuo sendo ridícula, te dando ouvidos e escutando esses absurdos de gente como você, que nunca vai entender.  Você se encaixa, adapta, você é a liga de toda a família. Que coisa mais linda para quem não sabe o que é viver a minha vida. O mais triste é não poder te dizer, pois assim os laços vão se romper. Ninguém sabe a confusão que é a minha cabeça, toda a dor e tristeza que me vem com as dores de cabeça. É a asneira que você me fala, é o ódio que te faz pertencer à alcateia, e ser a mais bela. Jamais vou saber o fardo que é a sua perfeição, prefiro que nos separemos então.

    Espero que você me deixe ir, porque sempre que disse o quanto me queria por perto, era para ser ao seu modo, e já não aguento mais me prender. Se você quiser, pode escolher, mas vai ter que aceitar todo o horror que eu sei ser, e você não aguenta.  Disso eu já sei. Seu jardim de margaridas só quer me ver florida, e eu sou a mais horrenda ferida. Já cansei de te dizer. Quero que você pare de me enfeitar, pois sou crua, dura, difícil de engolir. Mas não quero passar goela abaixo, como um rato censurado, quero ser saboreado por um desdentado, como se fosse a última refeição.

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