Autorretrato - Estadia

     Tentei entrar numa narrativa, não sei bem o porquê. Achei que você saberia me dizer, mas pelo visto, estamos em tempos em que não se sabe nem onde fica o umbigo. Será que posso ser tão prolixo, ou vão cortar comigo todo o vínculo? Ser vago foi uma salvação nos momentos em que não tive perdão.

    É a vida que ora, e não dá bola, quem está as margens que faça o que for necessário para sobreviver. Será que é como tem que ser? Ouvi o passarinho cantarolar, e pensei que escutamos as baboseiras que queremos significar. É a hora, que passa mundo afora, sem que possamos entender.

    Faz tempo que não escrevo uma história, dessas que tem começo, meio e fim. Faz tempo que não uso a palavra querubim. Até tento ser mais divertido, mas um peso fúnebre me esvai pelos dedos, e parece que só consigo escrever esses defeitos. Faz muito tempo que não sei o que é ter fim, que almejo o eterno desejo, mesmo que isso seja loucura, enfim.

    Passei o dia esperando algum começo, e ninguém soube me dar o endereço. Disfarçaram-se os pesos, e disseram que eu volte mais tarde com um pouco de medo. Passei o dia caminhando, e quando parei não pude descansar, pois esse é o jeito dessa vida sem feitos. Será que vou deixar memória suficiente para ficar?

    Vieram me cobrar a estadia, mas eu nem sabia se ficaria. Era muito futuro num passado que eu já tinha deixado. Não sei quantas malas vou conseguir arrumar, quanta bagagem ainda tenho para carregar. Parece que quanto mais tempo, menos coisa tenho para levar. Queria falar sobre a leveza do divino, tão bonito, mas só vejo que tenho a obrigação de te dizer que não. Queria que levasse em consideração.

    Espero ter terminado. Pelo menos algum passo. Indiquei o colágeno, para que refaçam os tempos que se vão. Quem não se preocupa com memória, é quem tem lápide pronta para a cova, e nem precisa estar morta. A gente é o tipo de gente que fica sem saber se um dia foi gente suficiente para ser enterrado, ou se o sistema não vai ser nem informado. Descansemos por hoje, enfim.

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