Autorretrato - Desconexão

             De tudo o que a gente acha no mundo, acho que sempre quis ter uma intensa proximidade, mas sempre senti uma distância inadequada. Era sempre um descompasso com a vida, quando eu achava que entendia, já havia algo que não me cabia.

            Pode ser daí os tropeços, um descompasso no passo que fica tentando ser por demasiado apressado, levando a um descaso nenhum pouco louvável. Acho o tempo uma noção engraçada, parece uma história quebrada, que a gente não entende se não ficar ajustando as lentes.

            Senti a brisa gelada me cortando pescoço à dentro, e, entre os pingos de chuva que caíam, vi um pedaço do céu, recortado pelas nuvens, brilhando com um pedaço de sol que não cabia naquele momento. Parecia a página seguinte da revista. Fiquei um pouco extasiada e me atravessei na narrativa.

            Penso que todo esse meu desacerto com o tempo me deixou com essa escrita vaga, que fica fugindo dos tormentos, e tropeçando em insignificantes momentos. Já não sei mais o que escrever, pareço ter uma falta até de mim.

            Não é de hoje, sempre me senti desconectada dessa carcaça que vos fala, olhava para o espelho e não me acreditava. Depois de um tempo parece que perco o ritmo da fala, de tanto ficar tentando me entender, parece que só consigo me esvaziar de mim mesmo. Não sei bem, mas as vezes parece que isso é um defeito.

            Já perdi a noção do que encanta, nunca tive muita na verdade, já que adorava o que horrorizava. Mas agora, perco cada dia mais o sentido, como um maltrapilho, vagando sem preocupação com as estruturas. É uma condição de estar aflito.

            Penso que tem gente que nunca vai entender, pois jamais vai trilhar esse caminho. Isso me gera um pouco de conflito, pois parece que jamais conseguirei ser, mas acho que a ilusão de pertencer, pode ser um dos maiores erros que a ideia de segurança tenta lhe vender.

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