Autorretrato - Capítulo Quinze - Suicídio
Nunca
conseguiremos estar exatamente no lugar do outro, por isso pode ser tão difícil
para algumas pessoas entenderem o processo de outras. É assim que distâncias
emocionais são construídas com os parâmetros da guerra fria. Chegar ao fundo do
poço é uma jornada solitária e infinita, pois a cada dia você descobre um novo
limite. O que acontece com quem não entende?! Será que mente, ou se esconde
ausente?!
Temos
âncoras e balões. Você pode estar sobrevoando essa angústia toda até o
combustível acabar, ou até o vento mudar. Às vezes o que te levantava pode ter
te levado muito longe de onde você já esteve, e você provavelmente não vai mais
saber as referências de viver quando descer. Pode ser que por um tempo você
consiga só sobreviver, cedendo aos impulsos da gravidade. Grave mesmo é quando
não encontramos nada para segurar e tentar nos levantar.
Algumas âncoras dão a sorte de cair no mar, e encontrar suas
profundezas, e, na maioria das vezes, não retornam a superfície. De qualquer
maneira, é muita tristeza. Temos momentos de suspensão e estagnação que são
difíceis de identificar. Nunca se sabe o que a próxima onda pode levar, toda a
estabilidade ou uma nova identidade. Temos pássaros se afogando no balanço dos
mares, e peixes sufocando nos ares. Já não sabemos mais viver, e não entendemos
ainda o que é morrer.
Não
entendo bem a dinâmica da vida, mas entramos em uma vibração esquisita. De
tanto se debaterem, muitos já estão com as forças amortecidas, sem nenhum
propósito de vida, e agora chega até nós o refluxo enjoado da maré ressaqueada
pelas bagagens que ninguém se importou em descarregar. Muitos soltaram pequenas
confusões em seus vôos, tão leves e aparentemente inocentes, que caíram como
meteoros nos que tentavam andar despreocupados. Mas não se viu quem foi
atacado, então só se importou quem foi dizimado, e que já não está mais aqui
para reclamar a vida que lhes pertence.
Seguem
as distâncias dos que enxergam a planta baixa e dos que sentem o tamanho dos
relevos. Ainda nos mantemos, até o instante em que não encontramos mais
desejos, já não sentimos mais nem o peso de todo o tormento que se acumulou com
o vento. Quando menos percebemos, invade-nos uma força de devastação, que ao
menos propõe uma solução. Será que nesse momento entendemos a morte?! Ou ela é
coisa de quem fica?!
Flávio Migliaccio. 04/05/2020. Descanse em paz.
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