Autorretrato - Capítulo Dezessete - Artesão

     Como o tempo é necessário para a criatividade, aquele tempo de deixar a ideia aflorar, deixar a vontade de criar gritar tão alto dentro de você que é preciso deixar essa voz se manifestar no mundo.

    É preciso de tempo para ouvir sua manifestação criativa tomar forma no ar, para se afastar, deixá-la cozinhar e se reformular até que a sua alma esteja se olhando no espelho através dessa obra.

    Agora, experienciando a magia desse tempo, questiono-me como produzimos e como a arte é remunerada e valorizada. Produzimos numa velocidade insana, pois temos que criar estratégias, conceitos e agrados a todo instante, afinal, com tanta tecnologia, tudo cansa muito rápido.

    Então vejo a minha alma artesã sendo engolida por esse ritmo desumano. Gosto de escrever no papel, usar as mão nas minhas obras, mas não temos esse tempo, pois tem uma geração de crianças vindo entediadas da escola, e uma geração de pais frustrados querendo dar uma volta. Esquecem, ou ignoram, que os artistas mais sobrecarregados por esse tempo são os professores.

    Mas se não nos adaptarmos a este tempo que temos nós não sobreviveremos, pois não teremos sustento financeiro e existencial. Só aceitamos esses termos irresponsáveis para criar arte porque não sabemos existir sem ela. É a manifestação mais honesta da nossa alma.

    A única maneira que sabemos é resistir, como a erva daninha que brota na calçada, que não sabe não florescer. A gente usa todo o nosso sentimento de estranheza, essa inadequação que temos com o tempo, para produzir momentos que sustentam e suspendem as mais diversas almas.

    E como a gente é bobo, acabamos nos emocionando quando vemos uma beleza. Essa é a nossa arte, aquela que te desloca do tempo por alguns momentos, que abraça qualquer inadequação que esteja nas mais profundas nuances do seu ser. Somos os que fazem de si mesmo o próprio instrumento de criação da sua arte.

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