Autorretrato - Capítulo Nove - Herança

        Na teoria tudo parecia mais belo, cheio de ornamentos, mas a realidade chegou mais rápido que a sanidade para a sutil forma da sua humanidade. Ela não havia percebido as consequências que os anos carregavam em seu olhar.

        Essa jornada tão cheia de afetos e desafetos parecia mais solitária a cada instante, o seu turvo olhar não cabia mais nos limites daquela vida, nunca coube, mas antes havia uma ingênua ambição que se dissipou com todas as belezas e crueldades que encontrou no caminho.

        Agora, diante essa crueldade só lhe cabia o peso de diversas vidas. Quão injusto é pertencer a uma origem, não percebemos todas essas limitações pois o conforto do pertencimento faz com que nos achemos menos solitários, quando estamos, essencialmente, precisando nos livrar de nós mesmos. E como nos livramos de nós mesmos sem matarmos todos esses terceiros?!

        Não dava para se conter, ela já sabia disso, mesmo cambaleando com as asas quebradas ela ia atrás das almas mais inusitadas, era o que confortava sua jornada desassossegada. Será que em algum momento haveria contentamento para lhe manter no lugar?!

        Estava sempre cansada desse seu lugar, desses desesperos e de seus longos devaneios. Ou sua alma era inconstante e descontente, ou simplesmente insaciável e valente. É um pesadelo enxergar que tudo o que te faz sair do lugar é o que te faz permanecer.

        Ela queria poder dizer para si mesma que era só um momento de impotência, mas já sabia que cada momento que faz a jornada. Era só um relapso do tempo que lhe permitiu ver o que já não cabia mais na sua alma.


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