Autorretrato - Quarenta e Sete - Indefinições

        Não se sabe exatamente o local onde as coisas que não existem acontecem, e entender isso te deixa um pouco mais louco, pois já está estabelecido que isso é coisa da sua cabeça. Não que uma vasta reflexão isso não mereça, mas falar de algo que não se fala dessa maneira, se é que você me acompanha ainda, pode ser a mais exata insensatez. Cabe a nós loucos expressarmos essas estranhezas na ponta da pele, no oposto da nossa destreza. Marque uma bobeira que a loucura fica à espreita dos seres de alma moribunda, dessas que se encaixam tão bem como uma horrorosa corcunda.

        Posso estar perdendo muito tempo, como todos dizem, mas o que você se diz? Ainda me vejo com pouca clareza, com uma profundidade absurda, acho que isso não pode ser compreensível, pois desse jeito a gente se perde na nossa própria sobriedade. Essa é uma bela de uma loucura. Quem afirma com tanta certeza pode estar na superfície confortável, o lugar comum da normalidade, mas a visão panorâmica vai estar no olho do furacão, e não vai permanecer para todo o sempre, não vai se estabilizar no mesmo lugar. A gente tem que tentar se entender a cada dia.

        Quando acho que encontrei uma saída estou mergulhando num precipício de dúvidas. Como pode?! Aqui parecem existir mais quedas do que recuperações, mas a realidade opaca que demoramos a identificar é que estamos ressaqueados nestas, curando cicatrizes e nos deformando, e não conseguimos nos dar conta desses momentos por um excesso de visão turva. Mal sabemos da realidade, e se dar conta dela significa saber mais nada. Não é excesso, são novas adaptações, nenhuma verdade se mantém absoluta, elas só conseguem se manter se forem sobrevivendo confusamente.

        Encontrar essa perdição é assustador. Você vai saber melhor que ninguém, e não vai conseguir dizer mais que qualquer um, você vai ter certeza, sem ter qualquer definição. É o auge do absurdo. Eu entendo se ficar aqui sozinha, entendo que estamos todos sozinhos em nossos buracos abertos, olhando aparições distantes, pois isso faz mais sentido do que ver rostos próximos enjaulados, conformadamente, em regras e padrões, acreditando ser o nosso rosto a dizer tudo a respeito de nós. Somos imensidões perdidas no espaço-tempo; às vezes cruzamo-nos nos precipícios da vida, é algo difícil de mensurar com convenções sociais. Eu sinto muito. Demasiadamente.

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