Autorretrato - Capítulo Quarenta e Três - Vintém

        Vejo-me sorrir e me sinto triste. Existem verdades que nunca vou revelar, não consigo me mostrar assim, pois não vejo nenhum sentido, não consigo conversar nem com o meu umbigo.

        Meu problema foi falta de cola, aí me falta ter apego por gente, a minha viscosidade só gruda em idiotices, e dei o azar de tropeçar em algumas pessoas feitas disso. Acho que foi culpa do meu destino desastrado que ficou a escorregar.

        Não sei se consigo me entender, e esta é uma das asneiras que não consigo explicar. Acho-me uma falta, penosamente vagarosa e medrosamente assustada, com a minha inexistência de propósito.

        Vejo egos que ferem o amontoado de erros que pareço ser. Sem maiores questões, eu me permito de todas as maneiras que ninguém vê. Escutei muitas palavras hostis fazerem uma imagem tão resistente de mim que escolhi morar dentro dessa carcaça que me deram. Foi a surra que me deram.

        Tenho problemas para ver sentidos, mas não tenho qualquer escrúpulo para tomar um rumo. Sempre que me acho errada demais para estar no lugar que estou retomo um novo caminho, crio um novo moinho e me visto de pedidos.

        Acho que sou a falta que não fez falta em ninguém, por isso descolei, me espanei, te espantei. Não consigo me explicar assim, às vezes não tenho nem coragem de mentir, só me deixo, a cada palavra, aumentar essa carcaça.

        Encontrei-me em poucos olhos, e a maioria deles me perdeu no exato segundo que me encontrou. Isso me destrói e me mantém, faz de mim um vintém que dei para quem quis bem.

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