Autorretrato - Capítulo Quarenta e Um - De nada
Eu fui o pouco que me deixei ser. Foi exatamente isso que fiz de mim: um pouco, uma, irrelevância, uma insignificância. Tanto foi e tanto fez que já escutei que sei. Ah! Você nunca deu trabalho, sempre tranquila, com ou sem companhia.
Acho
que só o tempo passou, e eu perdi o bonde, perdi um monte. Quando raramente me
dou conta de que tenho uma cara, vejo que tenho olheiras, marcas discretamente
fixadas, vejo olhos murchos, e um sorriso fingido, meio comido. Vejo-me caída.
Virei
um veneno escorregadio que infecta todos os cantos, malignamente dócil,
hipocritamente corrompido. Essa inexpressão é porque eu tanto faço de tanto que
fiz. Já me destruí a ponto de não tentarem me recolher mais.
Só que
eu não fui com o tempo, mas não me viram passar, viram desaparecer. Eu consumi
todas as minhas reservas que acabei tendo que reciclar algumas. E, por isso,
entende-se que só dei uma cara nova para os velhos hábitos. É vintage.
Guardei tantas coisas no peito que acabei pesando ele, e me afundei ao
ponto das palavras quase não saírem, do esforço ser uma imensidão perto da
pequeneza que realmente reverbera.
Enterrei-me
na minha cabeça para não deixar essas minhas ideias causarem muitos problemas.
Cortei toda a minha conexão com o mundo, com essa bola que não me entra na
cabeça, que não me deixa, que me atormenta.
Nessa
adaptação me alimentei dos meus vícios. Às vezes a cova é tão funda que pareço
estar caindo enquanto flutuo. Acho que escorreguei no mundo errado, porque só
não entendo, não me sinto parte.
Fui
calando a boca de tanto engolir coisas. Se tudo der errado eu fujo com o circo.
E se nada acontecer já não estou mais aqui. Desculpe-me, eu vi os seus olhos
pedindo palavras que não pude dar.
Hoje
em dia a solidão é tão grande que falamos com o nada, nos transformamos em
nada, pois ele não tem compromissos, não existe, não insiste, então pode sumir
do mundo, de tudo.
É, às vezes acho que consegui fazer nada desse pouco de mim. De nada.
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