Autorretrato - Capítulo Quarenta - O novo ao ano que chega

        Está inaugurado o novo ano com o primeiro pânico, aquele desespero repentino que te tira do mundo, faz pensar que talvez te colocaram neste mundo por engano, que foi um infortúnio de um acaso mal calculado.

        Às vezes ela olhava para o céu e se sentia um nada. Imaginava que, no meio daquele céu azul, havia furos que outros seres fizeram, que esse azul é um papel de embrulho, e as estrelas são seus furos pelos quais passam um pouco de luz, pois lá fora eles estão observando as formiguinhas do mundo que criaram enquanto tomam um vinho tinto em um coquetel de aparências.

        Ela se sentia pequena, esperava uma das estrelas sumir repentinamente para dizer que era o olho amendoado de um espiãozinho hipocritamente medíocre, pensando que pode te esmagar com um dedo a qualquer instante. Um nada.

        Às vezes achava que perdia as coisas bonitas que pensava. Então se sentia enganada, pois só se esquece do que não é importante. Acho que coisas bonitas não importam para este mundo podre. Por isso que às vezes se pegava gostando de certas feiuras. Era uma loucura que lhe arrepiava os ossos.

        Ela começou a reparar em coisas pequenas. Começou a ficar difícil demais lhe agradar, não lhe magoar. Essas pequenezas ficaram tão grandes que lhe cegaram os olhos. Menina burra! Bastava-lhe fechar os olhos, amortecer a cara e continuar vivendo.

        Estão inaugurados os mesmos erros, com os mesmos hábitos, com as mesmas perguntas. É assim, dilacerar-se um pouco mais, é assim que a cabeça fica quando as perguntas te afundam numa fuga que não consegue te conter, a paranoia te faz de joia no colar que exibe com tanta folga.

        Era o começo que nunca conseguiu enxergar, e o fim que jamais iria completar.

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