Autorretrato - Capítulo Trinta e Oito - As guilhotinas
Ela se corroeu, corrompeu, todo o mármore que viveu só deixou sua frieza permanecer a cada gota de sangue nas quais ela se desfez. Era cada vez mais rápido e potente não se deixar sofrer, e cada vez mais difícil retornar ao masoquismo tão sádico em seu sorriso hipócrita. Cada vez que deixou de falar optou por não colocar sua vontade no mundo, por deixar os outros imporem em sua cara suas surdas teimosias. Ela desistiu para não continuar algo que não queria, para procurar algo que sentia, uma maneira com a qual podia.
Eram
corridas só para sair do lugar. Só sair, sem se deixar. E como ela fazia para
explicar que não era uma desistência? Se é que precisava se explicar para os
outros. Precisava? Queria? Ou estava?! Então, às vezes não resistia e se
deixava. Pensava asneiras e falava besteiras. Martelava-se com outras maneiras,
com quase estrelas que insistiam em forçarem suas barreiras, querendo sempre aparecer
mais, brilhar mais, e ser menos, não importava quais fossem os desejos.
Ela
brincava com reações, com começos, com espelhos. E aqueles egos inflados não
sumiam, por vezes se escondiam, ou até diminuíam, mas suas raivas, esses
recalques de horrores emperrados, cristalizados... Ah! Esses nunca os deixavam.
E pareciam grudar nela com a força repulsiva de um asco encarnado.
Naquele exato momento ela não sabia o que era ignorar, o que era visualizar o futuro com um caminho que traçaria para longe dessas guilhotinas que estavam prestes a lhe cortar a cabeça. Era o conselho que mais escutava, e o que menos enxergava como real. Então esperava o dia passar, sem maiores delongas, deixando o refluxo de cada dia para a preocupação da vez, esperando o fim de cada momento assim que chegava.
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