Autorretrato - Capítulo Trinta e Quatro - O que o tempo desgasta quando não se é passagem
E se de tanto ficar quieta ela desaprendeu a falar?! E se ela não consegue mais viver nesse mundo sem se esbarrar em cada segundo que passa?! A cada medo que vaza, um tremor tira um pouco da sua força para se manter em pé, cada vez mais desesperos saltitam dentro das suas angústias, cada vez mais ela se sente menos capaz, como se algo estivesse errado, ela estivesse errada, como se tivesse entendido algo errado, e virou algo que não era para existir, algo que os outros não gostam, um problema que só incomoda. Ela entendeu as coisas erradas, todas as coisas, todas erradas.
Pelo
seu desentendimento ela teve que ficar quieta, guardar seus desabafos para si,
pois quem fez a confusão toda foi ela, e os outros não querem saber de si,
sempre existem questões maiores, as suas questões são sempre maiores, as suas
preocupações são sempre maiores, e essa superioridade tão vivida e sofrida sabe
muito mais, e entende muito mais que ela, e não quer escutar, quer falar, falar
e falar loucamente, jogar todos os seus problemas nos outros, sugar toda a
energia que ela consegue produzir, dilacerar toda dificuldade pela qual ela
passa, pois seus problemas são muito maiores.
Então
o mundo dos outros faz isso, se agarra no que consegue arrancar de bom dos
poucos, deixando-os sem possibilidades. Fala asneiras rudes para se sentir
melhor, deixa a vida lhe consumir para ter desculpas fáceis nas quais se
pendurar, e mata violentamente o que está ao seu lado, pois o tempo desgasta as
permanências, e acaba que nos falta paciência, nos falta paciência com os que
ficam. Então esses outros sugam sua energia, e desdenhosamente pisam nela, com
sua superioridade de viver maiores dificuldades, falam na sua cara o quanto
desdenham da sua pequeneza, da sua pseudo tristeza, e não olham nos seus olhos
quando sabem que estão errados, que seus motivos não são válidos, que seu drama
está sendo exagerado.
Quem bobeou foi ela, devia ter ido, não insistido. Não devia ter se colocado nessa posição, não devia ter aceitado essa condição, não devia ter mostrado o que é para não ter que aguentar o que a machuca nessa sua estupidez de entender, de compreender, de assentir, de permitir, mas foi ela quem se pré-dispôs a ter esse papel. Ela devia ter deixado se consumir pelas dificuldades, para enfartar de desgaste, e poder dizer sua desculpa sem medo de julgamentos ou questionamentos.
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