Autorretrato - Capítulo Vinte e Quatro - A transparência da melodia
Era exatamente tudo que não era ela. Era a agressividade que ressaltava as suas garras, instintivamente prontas para serem usadas, e visivelmente destacadas. Estava posta a mentira que ela era, o traje aceitável que travestia para tentar se impor para si mesma. Era a verdadeira falsidade da sobrevivência que a pressão da caixa torácica fazia em seu peito quando algo ali tentava palpitar sensibilização.
Foram
as coisas que ela não conseguiu fazer, as palavras que não externalizou, e a
quietude que não conseguiu ter. Isoladamente calada, já sabia que não
funcionava, então, inerentemente presente, balbuciando uma coisa ou outra para
ser notada, já se tornara suficiente por muito tempo.
A
mente ficava inquieta enquanto os olhos se embaçavam em pressões
convencionativas; já não sabia até que ponto ia, pois tudo parecia uma infinita
reta, cuja qual ela vivenciava as curvas, como uma fugitiva da realidade
externa compartilhada, furtando referências para se construir, um esconderijo
privado do sonambulismo pelo qual caminhava, tão inconsciente quanto a força de
suas frágeis escolhas.
Ela
percebera há um tempo, em sua escala cronológica de esquecimentos, que pouco
erro se dava, era possível preencher folhas inteiras com palavras apressadas
seguidamente ordenadas num escorrimento manual de desabafos inverbais. E o que
isso significava?! Que o medo na repreensão existia mesmo agora que achara ter
encontrado uma maneira exclusivamente sua? Uma atualização barata de uma versão
anterior? Todo o drama foi isso? Exatamente tudo isso?
Às vezes o ar ficava irrespirável de tantas moléculas de interrogação ao invés de oxigênio nitrogenado.
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