Autorretrato - Capítulo Dezoito - Explicável incontinuidade

        Dormente, ela partiu num surto desesperado para fugir de si; nem ela se aguentava mais sendo esse pavor desconcertante. E como se não bastasse o caos, ela se jogou num longo terreno cortantemente espinhoso, com chamas que a queimavam controladamente até fagulharem seus complexos medos, aterrorizando a carne que queria ser vento.

        E partindo ela continuou mais uma vez, pelo mesmo caminho, tentando se convencer que conhecia um abrigo, com insistidas repetições sociais de obrigações que ignorava. Ela não mentira para si, sabia e achara o abrigo, mas a cada vez que voltava sua inospitalidade aumentava como uma afobada exponencialidade do desespero solitário que sua pseudoliberdade pensante conquistara.

       Obrigando-se a chegar, obrigando-se a ficar, obrigando-se a sorrir, obrigando-se a ser, e obrigando-se a viver ela vivia, chegava, ficava, sorria e era, por instantes, tudo o que lhe atingia, e assim, prendia-se ao que lhe tirava o sono sentindo um terremoto desorganizar todo o mundo enquanto seus olhos focavam uma tranquilidade inexistente em sua sutil brutalidade.

        Os dogmáticos preconceitos estavam sufocando suas plausíveis aceitações ao socarem goela abaixo um pseudo amor que exigia de si uma transmutação de tudo o que acreditava para se tornar um exímio padrão que eles pregavam na carne alheia como certo e melhor, acreditando que o sangue que suas mãos faziam escorrer tornavam-lhes exemplos de enquadramento.

        Ela não queria mais fingir, deixou a tristeza texturizar sua pele com o frio melancólico das opacas granulações que via com seus olhos úmidos. Com isso tudo ficava diferente, todas as texturas que ela sonorizava faziam o blasé da vida perder o sabor.

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