Autorretrato - Capítulo Dezessete - Viagem estática pelo desfalecimento da solidão

        Ela só estava fisicamente, e, finalmente, podia sentir o que estava afastando de suas camadas mais externas. O desejo que seus surtos pediam quando seus olhos tremiam estavam aterrorizando seus ossos com uma descontrolada fobia imagética; bastava seus pensamentos para que ela ficasse trancafiada a uma chave, uma mísera chave que acelerava seu pulso cada vez que girada; a cada som suas pupilas dilatavam como se um segredo se rompesse com suas fibras, revelando-a.

        Assim ela se encontrava, trancafiada nessa desesperada solidão que escolhera, criando uma angústia que lhe sugava todas as forças e a esmagava por dentro, criando uma carcaça que a implodia em suas convicções.

        Ela se trancou, pois sabia que sua tamanha fragilidade não aguentaria ter a pele tocada pela luz do sol e as feridas abertas pulsantes pela brisa do vento. Então ela se isolou por portas trancadas e cortinas fechadas em um neurótico desfalecimento de suas forças. Ela estava deixando seus medos a sucumbirem numa voracidade que seu sorriso há tempos fingia desacelerar, criando um contraponto que fazia o fagulho parecer cinzas num piscar olhos.

        Bastava um segundo para que a vida soasse como um agudo sino pertinente, reverberando-a numa vertigem na qual ela perdia a consciência do que a tirara de seu abrigo, ficando em um momento de longínqua epilepsia que a deixava dormente meio a velocidade da vida que persistia em empurrá-la para frente.

        Nesses momentos ela se dava conta de onde a crueldade da vida estava; num pacto que a mesma fizera, deixando-se reger pelo tempo, acompanhando-o nessa jornada inestancável e unidirecional para um lugar platônico, idealizado por sua impossibilidade de ser alcançável pelo o que possui a característica mortal de cessar, porém dando aos corações aflitos uma certeza reconfortante em sua estabilidade: de que tudo findaria antes do final.

        O problema desse pacto que a vida fizera, cujo todos que vivem são cúmplices, é que ela já não encontrava mais em sua racionalidade um sentido em caminhar para o fim de lugar algum, e nessa falta de nexo deploravelmente má compreendida pelos alienados tradicionalistas, dominados por suas negações, tudo se tornava mais intenso, inclusive sua culpa em não ser uma boa cúmplice.

        Com suas dores conspirativas ela se trancafiava para não ser mais descompreendida pelos cegos e poderosos autoritarismos do medo.

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