Autorretrato - Capítulo Quatorze - Surtos de si

        As tristezas pontuavam seus espasmos em surtos incontroláveis de fraquezas sentimentais que pareciam quebrar brutalmente suas compreensões numa inexplicável  fragilidade que ela não queria ser, e, num jogo de esconde-esconde, ela alimentava essas fragilidades com suas dependências capengas e coerentes em seus tropeços.

        As lágrimas faziam-na tremer seus sentimentos soluçados nos rasgos que as auto compreensões alheias fizeram nela quando, em suas corridas desordenadas, gritavam com os outros para se acalmarem, sem se compreenderem enquanto movimento latente no mundo.

        E nisso ela fugia, fugia de si e do mundo, se afastando dos fatos nas suas dores, tentando ser menos dilacerada e se dilacerando mais, apenas para ter segundos de controle ilusório.

        De tanto não querer ter uma forma delimitada ela se borrava com o mundo como uma névoa, sem saber onde o começo toma fim, enrolando-se em coisas que não podia mais dizer não serem suas, pois estavam ali, e só se dava conta das proporções dos periódicos quando eles já tinham toda a ambientação tabelada.

        Eram surtos de si, para ela gritar com o som da boca o que não tinha palavras para sonorizar. Ela foi não porque queria, mas porque não podia ficar. Ela não queria ser o que se estava menos precisando, e não tinha forças para permanecer nesse esconde-esconde de cortes.

        Ela foi sabendo que haveriam sofrimentos, mais vividos, menos autônomos, mais corporificados em sua inconsciência, que transcendia simples manias por sua complexidade histórica e socialmente construída.

        Ela sentiu em seus tendões seu coração partindo nas negações de suas fragilidades, que fortaleciam as marcas do que se sente quando a lógica é ser o momento, e não compreender como se pode criar outra lógica menos viva, dilacerante e pulsante nas lágrimas que salgam e amolecem os duros sorrisos.

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