Autorretrato - Capítulo Treze - A proximidade longínqua

    Os olhos ardiam na mesma sintonia que o mundo esfolava as frágeis interfaces com as quais ela tocava o entorno da realidade; seu estômago revirava as mágoas que lhe custava digerir e deixar se tornarem um fluxo de passagem. Ela se apegava facilmente ao que a sensibilizava por ter passado muito tempo se negando a experiência de viver.

    E, negando-se, ela se escondeu de si mesma e viveu, vendo tudo passar e se mover do lugar estático que se encontrava. Onde estava a criança que a pouco sorria, com quem ela brincara?! Ela guardara para si, quando o medo das aprovações, sutilmente, disseminara-se no carinho que ela conhecia.

    A compreensão que buscava manter com olhares que não eram o seu, por muitas vezes, parecia ser, novamente, apenas as suas questões quando lhe rasgavam sem escutarem seus silenciosos gritos de mal estar. Seus olhos só sabiam se encher de lágrimas agora, sem deixá-las escorregarem na fortaleza que achou que criara, como mármore sob o vento.

    Desesperava-a ver que depositara sua confiança quebrada numa instabilidade, que derrubava seus pedaços num desleixo que, descuidado, não permitia as partes se encontrassem. A cega instabilidade seguia remexendo com a força que sugava dela, deixando-a de olhos abertos durante a noite e músculos dilacerados durante o dia.

    Até que ponto em suas relações ela fazia as coisas para si, mesmo que permeada pelos outros?! Ela se perguntava o quanto valia a pena se dificultar, simplesmente porque queria que fosse a sua escolha, e só sua, no meio dos outros.

    Sacrificando-se por algo que ela prezava, por algo que era do interesse de suas particularidades, esses outros a invadiam bruscamente sem pedir licença, afinal ela já se pré-dispusera a ser sacrificada no controle do silêncio apavorado pelas palavras que não tinha no seu intenso movimento.

    Manter-se em algo exige escolhas que não possuem resultado, pois são constantemente o que se vive no presente e continuamente se tornam passado. Parece impossível decidir o que vale a pena e pesar as perdas quando elas são escolhas e não faltas.

    Ela se deparou com a atrocidade da insensibilidade na fonte que se assumia, afirmava e dizia da sensibilidade, que tudo abarcava com o coração, mas deixava todos de si saírem, sem escolher permanecer quando a dificuldade é compreender o outro a partir da lógica e do discurso deste, que, muitas vezes, encontra-se na desarmonia do desconforto pelo confronto.

    Doía demais ver suas verdades caírem por terra junto com os cortes que descobria apenas superficialmente cicatrizados. Ela se sentia escorrer nesses machucados, aos outros invisíveis, mas que não permitiam aos seus olhos deixarem fluir a dor do medo que a esmagava.

    Ela não sabia a validade de ser a dor da poesia nas angústias que escrevia. Ela pulsava como se dissesse para si mesma que vivia, existia e sentia. A solidão parecia contínua nos descasos dilacerantes.


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